Seção Informativa

Autor: Robson Antonio Galvão da Silva

Durante a vigência do Decreto-lei 157/1967, já havia controvérsia sobre a aplicação da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo antes do oferecimento da denúncia ao crime de descaminho. Todavia, o STF editou a Súmula 560 que estabelecia: “A extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo devido estende-se ao crime de contrabando ou descaminho por força do art.18, § 2º, do Decreto-lei 157/1967.”

Cumpre observar que mencionado § 2º determinava que se extinguia a punibilidade quando a imputação penal, ainda que de natureza diversa da Lei nº 4.729/65, decorresse de ter o agente elidido o pagamento de tributo.

Posteriormente, com a publicação da Lei 6.910/1981, impossibilitou-se a extinção da punibilidade em razão do pagamento do tributo devido. Todavia, a Lei 9.249/1995 novamente previu tal possibilidade, ao estabelecer em seu art. 34: “Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei n. 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”

Parte significativa da doutrina, atenta aos princípios do sistema penal democrático, passou a defender a aplicação dessa previsão legal ao crime de descaminho, uma vez que o bem jurídico tutelado seria o mesmo. Embora a lei não tenha se referido expressamente ao artigo 334, deveria ser a extinção da punibilidade a ele estendida, em razão do princípio da isonomia, manifestada na máxima onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Dentre os defensores desse entendimento, vale destacar os nomes de Alberto Silva Franco, Rui Stoco e Celso Delmanto.

Porém, os tribunais pátrios firmaram entendimento no sentido de que a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo antes do oferecimento da denúncia não se aplica ao crime de descaminho. Como fundamento, aponta-se, principalmente, a taxatividade do referido artigo 34, que faz menção expressa às Leis 8.137 e 4.729. Além disso, sustenta-se que o bem jurídico tutelado no crime de descaminho, além de abranger o interesse da Fazenda Nacional em ver o tributo recolhido, protegeria também a administração pública no que diz respeito à incolumidade do regime de importação e exportação, especialmente no que concerne aos interesses da indústria nacional. Seria inaplicável, assim, a analogia, pois não haveria lacunas na lei e nem as situações referidas seriam semelhantes. Nessas situações, o máximo que se tem reconhecido é a diminuição da pena, nos termos do artigo 16 do Código Penal, considerando-se o pagamento do tributo como arrependimento posterior.

Julgados em sentido contrário são raríssimos e isolados. Por questão de reconhecimento, vale destacar o julgamento dos Embargos Infringentes nº 98.02.27550-6, do TRF da 2ª Região e, em especial, o seguinte trecho do voto da relatora, desembargadora Tânia Heine: “De fato, apesar de situado no capítulo dos crimes praticados pelo particular contra a administração em geral, nota-se que o descaminho é uma fraude meramente aduaneira. Dessa forma, o tipo protege tão somente o interesse do Fisco, não restando atingidos outros interesses públicos. Esta é a tese esposada pelo ilustre procurador regional da República, dr. Juarez Tavares. Veja-se trecho do seu douto parecer: ‘…o entendimento que abraçamos, mais condizente com a realizada e a estrutura da ordem jurídica, bem como com os fins que o próprio Estado se propõe para a sua política criminal, afora os dados da ordem econômica, é de que aqui há a salvaguarda tão-somente do interesse fiscal…’ (…). Assim, tendo havido o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia, há que ser reconhecida a extinção da punibilidade nos termos do art. 34 da Lei 9.249/95, diante do parecer do MPF e dos aspectos fáticos do presente caso.”

Nos tribunais superiores precedentes nesse sentido são, há muito tempo, inexistentes. Porém, no último dia 26/06, no julgamento do HC 48.805/SP (acórdão ainda não publicado), impetrado pelo advogado Roberto Podval e outros, o STJ concedeu a ordem para trancamento da ação penal, entendendo que o pagamento do tributo antes do oferecimento da denúncia extingue a punibilidade também no crime de descaminho. A ministra relatora, Maria Thereza Rocha de Assis Moura, entendeu que a Lei nº 10.684/2003 deixou clara a existência de outros tipos penais de cariz tributário além daqueles presentes na Lei nº 8.137/1990, apontando dispositivos, especialmente crimes previdenciários, em que também se aplica a extinção da punibilidade. Concluiu que o crime de descaminho é intrinsecamente tributário, com o que cabe a aplicação analógica do artigo 34 da lei 9.249/95. O voto foi acompanhado pelo min. Nilson Naves. Votaram contra os mins. Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti. Como se encontrava afastado o min. Paulo Medina, até então não substituído, houve empate e, conseqüentemente, foi concedida a ordem.

Ainda se trata de um caso isolado, fruto de um julgamento que findou empatado. Todavia, foi proferido por um tribunal superior, consistindo em relevante precedente. Ressurge a esperança de que essa questão volte, ao menos, a ser efetivamente discutida nos tribunais, vindo a prevalecer no futuro a interpretação que mais se amolda ao sistema penal democrático e seus princípios.

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