Seção Informativa

Robson Antonio Galvão da Silva[i]

 

A concepção significativa da ação (ou do delito) foi apresentada na doutrina espanhola, pioneiramente, por VIVES ANTÓN. Quanto aos conceitos básicos de ação e teoria da norma, ampara-se na filosofia do segundo período de WITTGENSTEIN, ao passo que a metodologia que emprega está baseada na teoria da ação comunicativa de HABERMAS[ii].

Tal concepção tem sido acolhida por diversas autores e está na base de várias contribuições posteriores[iii]. Obviamente, o desenvolvimento de um modelo completo de teoria do delito é algo bastante complexo, que ocorre ao longo dos anos, mediante a contribuição de diversos estudiosos.

Assim, a partir das ideias precursoras de VIVES ANTÓN, vem sendo desenvolvida, gradativamente, uma reorganização sistemática da teoria do crime. Não se trata propriamente de uma ruptura em face dos sistemas anteriores da teoria do crime, mas de uma remodelação, pois seus principais desenvolvedores continuam trabalhando com muitas das categorias e instituições dogmáticas tradicionais. Como se trata de um modelo ainda em desenvolvimento, nota-se, dentre as propostas apresentadas pelos partidários da concepção significativa, algumas variações relevantes. Por isso, cabe aclarar que a seguinte exposição dos traços principais do modelo de teoria do crime que se erige a partir da concepção significativa trata da proposta atualmente formulada por MARTÍNEZ-BUJÁN[iv].

Pois bem. A partir pretensão geral de justiça que atribui à norma, MARTÍNEZ-BUJÁN extrai quatro pretensões de validez parciais e mais concretas. A cada pretensão de validez corresponde uma categoria da teoria do delito, sendo três delas essenciais e uma última eventual. Em síntese, tem-se o seguinte: a) o tipo de ação, decorrente da pretensão de relevância da ação; b) a ilicitude ou antijuridicidade formal, decorrente da pretensão de ilicitude; c) a culpabilidade, decorrente da pretensão de reprovação; e, d) a punibilidade, em sentido amplo, decorrente da pretensão de necessidade de pena.

A primeira categoria, denominada tipo de ação por sua vez, é composta por dois elementos, quais sejam, a tipicidade em sentido estrito e a antijuridicidade material. Sobre a tipicidade, ela é aqui entendida sob um viés puramente conceitual, limitando-se a abarcar aqueles pressupostos da ação punível que cumpram uma função definidora da classe de ação que se trate. Portanto, não inclui a intenção, salvo se a própria definição da ação exija recorrer a momentos subjetivos (os tradicionalmente denominados elementos subjetivos especiais do tipo). De outra via, a antijuridicidade material cumpre a função de refletir a valoração jurídica do fato com efeitos gerais (com alcance intersubjetivo), ou seja, o desvalor material do fato desde o ponto de vista do ordenamento jurídico. É necessário que a conduta viole ou coloque em perigo um bem jurídico penal.

Uma vez constatada a relevância jurídico-penal (enquadramento da conduta na descrição de um tipo penal e ofensividade a um bem jurídico), pode-se passar à análise da pretensão de ilicitude. É composta pela intenção subjetiva, nas formas de dolo ou imprudência, e pela antijuridicidade formal. A antijuridicidade formal segue aqui a conceituação tradicionalmente apresentada na teoria do delito, restando afastada se ocorrer alguma das causas de justificação, concebidas como leis permissivas pessoais, baseadas nos princípios da liberdade de ação[v].

A terceira categoria, que esgota o conteúdo material da infração, decorre da pretensão de reprovação. A culpabilidade é composta por três elementos, quais sejam, a imputabilidade, a consciência da ilicitude e a exigibilidade individual.

Por fim, a essas três categorias indispensáveis à configuração do delito, inclui-se uma quarta, de natureza acessória, denominada punibilidade, decorrente da pretensão de necessidade de pena. É concebida como um momento do princípio constitucional de proporcionalidade e deve ser analisada no caso concreto. Trata-se aqui de um conceito amplo de punibilidade, que, além dos elementos que ocorrem no momento da realização do delito (condições objetivas de punibilidade e causas pessoais de exclusão da pena), é integrado também pelas instituições que ocorrem posteriormente à execução da ação ilícita pelo autor (causas pessoais de anulação ou levantamento da pena, assim como as medidas de graça e anistia previstas no ordenamento).

Esse novo modelo, embora ainda esteja em construção, gradativamente vem ganhando força entre os estudiosos do Direito Penal. Além de sua fundamentação filosófica e de sua coerência metodológica, parece ter um papel relevante a exercer diante da realidade normativa que está surgindo no contexto da quarta fase da revolução industrial.

 

[i] Mestre em Direito pela PUC-PR. Doutorando em Direito pela Universidade da Coruña, sob orientação do Prof. Carlos Martínez-Buján Pérez.

[ii] Sobre os fundamentos da concepção significativa do delito vide VIVES ANTÓN, Tomas Salvador. Fundamientos del sistema penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996. pp. 203 e ss. (2ª ed., 2011, pp. 219 e ss.). E, ainda, o “Estudio preliminar” a cargo de JIMÉNEZ REDONDO, pp. 33 e ss. (2a ed., 2011, pp. 51 e ss.).

[iii] Dentre elas, destaca-se: MATÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. La concepción significativa de la acción de T.S. Vives y su correspondência sistemática con las concepciones teleológico-funcionales del delito. Revista Electrónica de Ciência Penal y Criminología; do mesmo autor El contenido de la antijuridicidad: um estudio a partir de la concepción significativa. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013; CARBONELL MATEU, Juan Carlos. La equivalencia significativa en la comissión por omissión. In: Cuadernos de política criminal. 113, 5–44, 2014; BUSATO, Paulo. Derecho penal y acción significativa. Valencia: Tirant lo Balbch, 2007; GONZÁLES CUSSAC, José Luis e ORTS BERENGUER, Enrique. Compêndio de Derecho penal: Parte General. Valencia: Tirant lo Blanch, 2017.

[iv] O modelo atual que propões MARTÍNEZ-BUJÁN, encontra-se, especialmente, nas seguintes obras do autor: Los elementos subjetivos del tipo de acción: Un estudio a la luz de la concepción significativa de la acción), in Revista Teoría & Derecho, 13/2013 (pp. 233–279); El error en la teoria jurídica del delito. Valencia: Tirant lo Blanch, 2017; La Autoria: Autoría inmediata, autoría mediata y coautoría: Un estudio a la luz de la concepción significativa del delito (y del Código penal español). Valencia: Tirant lo Blanch, 2019.

[v] Nesse ponto, é importante notar que, diante dessa separação entre antijuridicidade material e antijurídica formal em duas categorias distintas, com a consequente atribuição de funções diferentes a ambas, decorre que o elemento que se toma como referência para permitir a punição da participação e para as atuações defensivas de terceiros é o fato de que o autor realize uma conduta que se enquadre em um tipo de ação objetivamente relevante e ofensivo para um bem jurídico-penal, sem que se exija que esse fato seja ilícito (ou antijurídico no sentido usual do termo, empregado pela doutrina dominante).

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