Seção Informativa

Autor: Robson Antonio Galvão da Silva

O Direito Penal Econômico encontra-se no centro de uma polêmica doutrinária a respeito da expansão do Direito Penal. Apesar disso, é indubitável que as legislações de muitos países, incluindo a do Brasil, têm tipificado penalmente condutas que lesionam, ou ameaçam de lesão, bens jurídicos de conteúdo econômico, assim como outros de interesse não individuais, já há bastante tempo. Ocorre que a dogmática jurídico-penal, quanto aos critérios de imputação, sempre esteve mais centrada nos bens jurídicos individuais, tendo sido pensada e desenvolvida quase que exclusivamente sobre essa base.

Se por um lado é certo que o Direito Penal tem sido expandido sob a justificativa de dar respostas à complexidade e aos perigos da sociedade atual, por outro lado deve-se notar que os critérios de imputação jurídico-penal não acompanharam necessariamente esse desenvolvimento. Vale dizer, com a paulatina ampliação do âmbito de intervenção penal, mediante a criação de novas figuras delitivas que cada vez mais se afastam do que historicamente constituiu o núcleo do Direito Penal, surgiu uma inevitável tensão em face de alguns institutos tradicionais da teoria do delito.

O que sucede é que, diante da complexidade e características dos bens jurídicos de conteúdo econômico, o legislador recorre a técnicas de tipificação diversas das usuais, sendo comum a utilização de elementos normativos, incluindo-se os de valoração global do fato, bem como a remissão à normativa extrapenal. A tipificação de condutas de perigo abstrato, as cláusulas de autorização e os denominados delitos de acumulação também são recorrentes. Essas figuras não eram desconhecidas do Direito Penal, mas nunca estiveram no centro dos estudos que acabaram por consolidar os institutos de imputação da parte geral constantes nos códigos penais que advêm do século passado, como é o caso do brasileiro.

Tudo isso ocasiona significativos reflexos em diversos aspectos da teoria do delito. Por exemplo, na imputação objetiva, nota-se um enfraquecimento acentuado entre a conduta e o bem jurídico protegido pelo tipo, com todas as consequências daí decorrentes, para além do que era doutrinariamente aceito em matéria de crimes de perigo abstrato. Na imputação subjetiva, por sua vez, há sérios impactos na aferição do dolo e no tratamento do erro.(1)

Não bastasse, considerando que as condutas normalmente são praticadas no âmbito de uma empresa ou em favor de uma empresa, muitas vezes em nome de outro e com divisão de tarefas, sendo algumas delas não dotadas de qualquer atijuridicidade aparente ou mesmo lesividade, vale destacar ainda as questões atinentes à coautoria, à posição de garantidor do empresário diante dos crimes comissivos por omissão, à figura do “compliance officer” e à responsabilização penal da pessoa jurídica.

Nesse cenário, existe certo consenso na doutrina ao se afirmar que o setor relativo ao Direito Penal Econômico possui determinadas peculiaridades que permitem individualizá-lo e que servem para o diferenciar de outros setores da parte especial. Na mesma linha, apresenta significativas diferenças dos delitos que tradicionalmente foram enquadrados no Direito Penal “clássico”, “primário”, “comum” ou “nuclear”. Chega-se a cogitar sobre uma verdadeira autonomia científica do Direito Penal Econômico.(2)

Ocorre que os delitos econômicos permanecem sujeitos à regulação da parte geral do Código Penal brasileiro. Consequentemente, estão submetidos aos princípios de garantia tradicionais e sujeitos às mesmas regras de imputação desenvolvidas preponderantemente sob o enfoque do Direito Penal primário. Apesar disso, os critérios de imputação clássicos não podem ser transladados acriticamente ao âmbito econômico, como advertem Martínez-Buján Pérez(3) e Tiedemann,(4) dentre outros, pois isso poderia dar espaço a significativas reduções de garantias.

Em alguns casos, tem-se proposto, de lege ferenda, a idealização de novos princípios jurídico-penais de imputação, diferentes dos tradicionais. Na maior parte das situações, no entanto, como explica Martínez-Buján Pérez,(5) busca-se acomodar as tradicionais estruturas às características particulares dos delitos econômicos, mediante algumas matizações ou correções a instituições penais tradicionais, quando elas são utilizadas como instrumento para a interpretação dos delitos econômicos. Cumpre reconhecer que as questões suscitadas no âmbito do Direito Penal Econômico, diante disso, já têm levado a um significativo desenvolvimento da teoria do delito em muitos temas, como acontece com a teoria do dolo e do erro, por exemplo.(6)

Sob outro viés, não parece adequado postular a criação de “dogmáticas alternativas”, sendo que uma das principais funções da teoria do delito na atualidade, segundo Greco, é justamente a de obstar essa tendência de fragmentação do Direito Penal.(7)

A dogmática penal deve e necessita evoluir, fornecendo ao aplicador critérios e instrumentos que não podem mais ser os dos séculos passados como formas adequadas de resolver os problemas penais do século XXI. Porém, não se pode ceder à tentação de “dogmáticas alternativas”, que podem ser, a qualquer momento, transformadas em “alternativas à dogmática” incompatíveis com a regra do Estado de Direito e, como tal, democraticamente ilegítimas.

Notas

(1) Dias, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal. p. 179 e ss.

(2) Vide Wagner, Markus. Die Akzessorietat des Wirtschaftsstrafrechts: Zugleich ein Beitrag zu und Wesen des Wirtschaftsstrafrechts. C.F. Muller, 2016. E também Quintero Olivares, Gonzalo. Sobre los delitos económicos como subsistema penal. In: El derecho penal económico y empresarial ante los desafíos de la sociedad mundial del riesgo. Diretores J.R. Serrano-Piedecasas e E. Demetrio. Madri: Colex, 2010.

(3) Martínez-Buján Pérez, Carlos. Imputación subjetiva. Manuales de Formación Continuada. Madrid, n. 14, p. 99-180, 2001. p. 100.

(4) Tiedemann, Klaus. Lecciones de derecho penal económico: (Comunitario, español, alemán). Barcelona: PPU, 1993. p. 157.

(5) Martínez-Buján Pérez, Derecho penal económico y de la empresa: parte general. Valencia: Tirant lo Blanch, 2015. p. 29-31.p.79.

(6) Costa, José de Faria; Andrade, Manuel da Costa. Sobre a concepção e os princípios do direito penal económico. In: Direito Penal Económico e Europeu: textos doutrinários. v. 1. Coimbra: Coimbra Editora, 1998. p. 349.

(7) Greco, Luis. En Alemania, el finalismo está muerto. Entrevista concedida à Universidad Libre de Bogotá. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com/BancoConocimiento/Educacion-y-Cultura/en-alemania-el-finalismo-esta-muerto>. Acesso em: 15 jan. 2018.

 

Robson Antonio Galvão da Silva

Mestre em Direito Econômico pela PUCPR.

Especialista em Direito Penal Econômico e da Empresa pela Universidad Castilla-La Mancha/ES.

Advogado.

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