Seção Informativa

Fernando dos Santos Lopes[1]

                          

  1. INTRODUÇÃO

As chamadas criptomoedas já fazem parte da realidade econômica tanto no mercado interno quanto no âmbito internacional constituindo um mercado em expansão. Desde 22 de Maio de 2010 quando Laszlo Hanyecz transferiu 10 mil Bitcoins para o estudante britânico Jeremy Sturdivant pela compra e entrega de duas pizzas grandes em sua casa, nos Estados Unidos., não apenas o valor do Bitcoin passou por diversas oscilações, como muitas outras criptomoedas foram criadas, as chamadas altcoins, havendo no momento um total aproximado de 2.217 criptomoedas.

Por sua vez, a tecnologia Blockchain que constitui o sustentáculo de existência das criptomoedas tem provocado inúmeras discussões acerca de seu potencial para provocar uma ruptura de paradigmas no modo de se conceber as relações econômicas, jurídicas, políticas e sociais.

Ante esse contexto, dada a velocidade com que essa tecnologia tem se desenvolvido, bem como o crescimento de sua importância no cenário econômico e financeiro, os agentes reguladores estão extremamente preocupados sobre como poderão impedir que mediante a utilização desses novos recursos tecnológicos seja criado um mercado livre de qualquer interferência estatal.

Com efeito, a ausência de regulamentação tem facilitado a prática de crimes, como a lavagem de dinheiro, bem como a saída ilícita de capitais, considerando o potencial dessas tecnologias não só para o desenvolvimento de novos métodos de evasão de divisas, mas também para o aprimoramento dos métodos já existentes, a exemplo do conhecido “dólar cabo”.

Sendo assim, passa a ser importante para os agentes do mercado de criptoativos conhecer qual o posicionamento dos órgãos reguladores sobre o tema, sendo este breve artigo voltado para expressar alguns dos entendimentos já proferidos pela Comissão de Valores Mobiliários acerca do assunto.

 

  1. a Comissão de valores mobiliários E O MERCADO DE CRIPTOATIVOS.

De acordo com a CVM as criptomoedas seriam uma espécie de criptoativos ao lado de outros como os utility tokens e os security tokens. Já em relação à determinação semântica do conceito de criptoativos a autarquia foi mais específica do que até então tinha sido o Banco Central, conceituando os criptoativos como “ativos virtuais, protegidos por criptografia, presentes exclusivamente em registros digitais, cujas operações são executadas e armazenadas

em uma rede de computadores” (Comissão de Valores Mobiliários, 2018).

A CVM destacou ainda algumas características essenciais dos criptoativos, consistentes no fato de estes funcionarem com base em uma tecnologia de registro descentralizado (DLT) “distribuído em uma rede ponto a ponto (P2P) de computadores ao redor do mundo” (CVM, 2018).

Outra questão relevante mencionada pela autarquia se refere à forma sui generis por meio da qual são realizadas as transações nesse mercado descentralizado, ou seja, “que toda transação realizada é divulgada para a rede, e somente será aceita após um complexo sistema de validação e de uma espécie de consenso da maioria dos participantes da rede” (CVM, 2018).

Enfim, a CVM põe em evidência a importância da tecnologia Blockchain para a existência dos criptoativos, bem como para o funcionamento descentralizado do sistema, na medida em que permite o agrupamento das transações em blocos, “de maneira que cada bloco aceito na rede se conecta ao imediatamente anterior, e assim por diante, formando uma sequência ou cadeia de blocos (blockchain)” (CVM , 2018).

Ou seja, a autoridade Brasileira foi extremamente feliz na conceituação de alguns dos principais elementos envolvidos com o conceito de criptoativos, tendo oferecido um bom ponto de partida para que a doutrina jurídica possa delinear com melhor acuidade esses complexos objetos, possibilitando o desenvolvimento de marcos regulatórios adequados, considerando os direitos e deveres envolvidos.

Já no que tange ao entendimento da CVM sobre a legitimidade do mercado de criptoativos, por meio do Ofício Circular nº 11/2018/CVM/SINA o órgão regulador esclareceu que a Instrução CVM nº 555 autoriza o investimento indireto em criptoativos por meio, por exemplo, da aquisição de cotas de fundos e derivativos, entre outros ativos negociados em terceiras jurisdições.

Enfim, em relação às chamadas Initial Coin Offering” (“ICO”), que são uma das formas por meio das quais é possível arrecadar recursos para o desenvolvimento de um novo projeto envolvendo criptoativos, a CVM mais uma vez atuou de forma extremamente técnica no que tange a analisar o mercado segundo suas peculiaridades, ao mesmo tempo em que não descuidou de sua função concernente ao respeito à legislação em vigor.

Tal ocorreu em processo instaurado com o fim de verificar se a “Initial Coin Offering” (“ICO”) da criptomoeda denominada Niobium Coin (“Niobium”), relativa às atividades da denominada Bolsa de Moedas Digitais Empresariais de São Paulo – BOMESP (“Bomesp”), representava uma oferta pública de valores mobiliários e, desta forma, estaria sob a competência da CVM (CVM, 2017).

O entendimento foi que deveria ser diferenciado entre duas espécies de tokens, ou seja, entre os utility tokens e os security tokens, sendo considerado valor mobiliário apenas os security tokens, o que significa que apenas no caso de uma ICO envolvendo um security token será necessário o registro da oferta na Comissão de Valores Mobiliários (CVM , 2017).

Com efeito, o ponto nevrálgico da questão se refere a conceituar o criptoativo como sendo um valor mobiliário, e em sendo afirmativa a resposta, dever-se-á ainda analisar se a oferta realizada é pública, visto que, do contrário, não haverá necessidade de registro da oferta na CVM. No caso de uma ICO a oferta, por óbvio, será pública.

Porém, tendo por base a legislação vigente, é possível afirmar que nada impede o desenvolvimento de criptoativos, mesmo que ostentem a qualidade de valores mobiliários, a exemplo dos security tokens, se estes não tiverem os seus direitos como sendo objetos de distribuição pública, similar ao que já ocorre com outras espécies de valores mobiliários.

Não obstante, dever-se-á observar se, no caso de uma distribuição privada de security tokens, não estará ocorrendo qualquer espécie de intermediação irregular, que ocorrerá, por exemplo, no caso de “reiteradas compras de valores mobiliários em operações privadas e sua posterior alienação em bolsa de valores, através de um grande número de procurações outorgadas em nome do intermediador”, tal como apurado no Inquérito Administrativo CVM nº RJ 2001/3809.

A necessidade de uma legislação específica para ofertas públicas envolvendo security tokens não pode ser abordada neste momento. Porém, já se deve louvar o avanço no sentido da liberação da oferta pública de utility tokens pela autarquia, a partir de uma análise da estrutura ontológica e jurídica destes complexos objetos.

Portanto, a definição ontológica dos criptoativos não é questão de somenos importância ou meramente teórica, visto que tende a influenciar a abordagem regulatória, o que justifica ser um dos objetos de pesquisa deste autor no contexto de seus estudos de mestrado em Direito Empresarial.

Trata-se, no entanto, de questão cuja complexidade demandará que sua exposição seja apresentada em outra oportunidade.

REFERÊNCIAS

Comissão de Valores Mobiliários. 2018. Criptoativos: Série Alertas. Disponível em:http://www.investidor.gov.br/portaldoinvestidor/export/sites/portaldoinvestidor/publicacao/Alertas/alerta_CVM_CRIPTOATIVOS_10052018.pdf

                                                           . 2017. Memorando nº 19/2017-CVM/SRE. Disponível em:http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/decisoes/anexos/2018/20180130/088818_ManifestacaoSRE.pdf. Acesso em 25/09/2018.

EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de capitais – regime jurídico. 3. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 35.

 

 

[1] Advogado chefe da área de compliance de corretora internacional de criptoativos, e integrante do Escritório Robson Galvão Advogados Associados. Extensão em Fintech Law and Policy pela Duke University School of Law, e em Fintechs pela Copenhagen Business School. Especialista em Direito Penal e Criminologia e mestrando em Direito Empresarial. Sócio Fundador do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico IBDPE. Presidente no Brasil da Single Global Currency Association.

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